O novo modelo de cobrança da dívida ativa da União.
Publicado em 9 de abril de 2018
No dia 09.02.2018, foi publicada a Portaria PGFN nº 33, de 08 de fevereiro de 2018, para vigorar em 120 dias da publicação, com o propósito de regulamentar a Lei 13.606, de 09 de janeiro de 2018, na parte em que rege, entre outros assuntos, a averbação pré-executória de bens do sujeito passivo que tenham débitos inscritos na dívida ativa da União.
Chama a atenção o fato de 2 (dois) artigos de lei necessitarem de uma regulamentação com 14 capítulos, 52 artigos e uma quantidade estarrecedora de incisos e parágrafos. Com tamanha disparidade, é provável que haja extrapolações na regulamentação, que já nasce combatida por conta da questionável constitucionalidade dos artigos da lei que lhe deu origem.
E é de legalidade que tratam os primeiros artigos da Portaria, com destaque para a possibilidade, no caso de débitos inscritos eletronicamente, que o controle seja realizado de forma automatizada, com posterior análise pelo Procurador. Na prática, casos serão enviados para dívida ativa primeiro e a legalidade analisada depois.
Outra novidade está no estabelecimento de uma espécie de prioridade para inscrição em dívida ativa em alguns casos, ainda que não esteja esgotado o prazo de 90 (noventa) dias da data em que se tornarem findos os processos administrativos, para que se proceda tal inscrição.
Após a inscrição em dívida, o devedor será notificado por para, em até 05 (cinco) dias, efetuar o pagamento ou parcelar o valor, ou em até 10 (dez) dias, ofertar antecipadamente garantia em execução fiscal ou apresentar Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI). O receio aqui é de se fazer letra morta dos artigos da Lei 6.830 (lei de execução fiscal), que já trata do tema, após citação do embargado.
Quanto à ciência da notificação, quando por via eletrônica, será considerada realizada após 15 (quinze) dias da entrega do aviso na caixa de mensagens do contribuinte ou no dia seguinte à sua abertura, o que ocorrer primeiro. Já a notificação por via postal será considerada entregue depois de decorridos 15 (quinze) dias da respectiva expedição, aplicando-se os mesmos procedimentos aos devedores incluídos como corresponsáveis.
Trata-se aqui da notificação ficta, já presente em outras normas administrativas fiscais, ou seja, o contribuinte deve verificar diariamente o e-CAC e redobrar a atenção quanto ao recebimento de correspondências, inclusive no âmbito de diretores e responsáveis legais, que podem ser co-responsabilizados pela dívida fiscal da pessoa jurídica que dirigem ou representam.
O preço a ser pago pela falta de diligência citada acima vem descrito no art. 7º, com seus 17 (dezessete incisos), que estabelecem uma série de consequências aos contribuintes omissos após serem considerados cientes da inscrição em dívida ativa.
A regulamentação também trata da oferta antecipada de garantia em execução fiscal, que poderá ser oferecida no prazo de 10 dias, suspendendo a prática de quaisquer dos atos de constrição descritos nos artigo 7º.
Apesar da oferta antecipada de garantia evitar a averbação pré-executória, na prática o efeito é o mesmo, ou seja, tornar público o gravame em relação àqueles bens do sujeito passivo, ato que, apesar de não impedir a alienação do bem, a tornará muito mais difícil.
Imaginem o pretenso adquirente de um imóvel ou veículo, ao consultar o registro do bem, identificar que ele está gravado por uma dívida tributária. Possivelmente o negócio não será fechado, dada a burocracia e a necessidade de envolvimento da Procuradoria na substituição da garantia e liberação do bem, que poderá inclusive se negada.
Outra determinação que poderá gerar ainda mais discussão é a que estabelece quais bens o devedor poderá apresentar como garantia antecipada. Trata-se de uma lista que contém apenas 3 itens: depósito em dinheiro, seguro garantia ou carta fiança e quaisquer outros bens levados a registro público, passíveis de arresto ou penhora.
Apesar da menção à ordem prevista no artigo 11 da lei de execução fiscal, com relação ao último grupo de bens mencionados, a Portaria claramente cria uma ordem própria de preferência, em desacordo com a própria lei de execução fiscal e em nenhum momento determinada pela lei 13.606, deixando de fora outras (cinco) possibilidades de penhora ou arresto, previstas na lei 6.830/80.
Se a intenção é antecipar a garantia em processo que posteriormente seguirá o rito da lei de execução fiscal, com a oposição de embargos e obedecimento ao devido processo legal, não há razão para não seguir a ordem ou mesmo não determinar como passíveis de oferecimento como garantia antecipada todos os itens previstos na citada lei.
Tal procedimento levará mais discussões a um Judiciário já assoberbado, onde os contribuintes, uma vez citados nos termos da Lei 6.830, buscarão a substituição do bem dado em garantia antecipada por qualquer outro que lhe seja menos gravoso, nos termos da lei de execução fiscal e jurisprudência dos tribunais. Um dos argumentos da Procuradoria para não listar outros bens é que o órgão não pode ser depósito de bens móveis. Neste caso, então, poderia ser utilizada a figura do depositário fiel, previsto no CPC.
Outra medida que trará ônus ao devedor diz respeito à documentação exigida para oferecimento da garantia antecipada. No caso de imóveis deverá o devedor apresentar laudo de avaliação e, para outros bens, certidões negativas de ônus, bem como documento de avaliação do bem ou direito, além de comprovação de que a indicação do perito foi feita pelo órgão de registro, bem como, laudo de avaliação e certidão comprovando a averbação do valor constante do laudo na matrícula, se bens imóveis.
A garantia antecipada não suspende a exigibilidade dos créditos, mas viabiliza a emissão da certidão de regularidade fiscal. Ou seja, uma nova figura foi criada para emissão de certidão, além das previstas no CTN (Certidão Negativa ou Positiva com Efeitos Negativos), passando a existir também a Certidão Positiva com garantia antecipada do débito. Falta esclarecer em quais situações a referida certidão será admitida, uma vez que o crédito tributário não será suspenso.
Outra inovação é o Pedido de Revisão de Dívida Inscrita (PRDI). Trata-se de procedimento nos moldes da “Exceção de Pré-Executividade". O PRDI, cujas hipóteses de admissão são exaustivamente listados pela Portaria, poderá ser apresentado a qualquer tempo, mas só suspende a prática dos atos de constrição previstos nos incisos I a XVII do art. 7º se apresentado no prazo de 10 (dez) dias da notificação da inscrição em dívida ativa.
A critério da PGFN, que se encarregará de julgar os PRDI, serão imediatamente indeferidos os pedidos protelatórios, os apresentados fora das hipóteses listadas na Portaria e aqueles instruídos incorretamente ou fundados em questão já decidida na esfera judicial de forma desfavorável ao contribuinte, importando renúncia ao direito de revisão administrativa a propositura, pelo contribuinte, de qualquer ação ou exceção cujo objeto seja idêntico ao do pedido. Muito cuidado, porém, para não discutir concomitantemente o mesmo tema em esferas diferentes.
Da decisão que indeferir o PRDI, total ou parcialmente, caberá recurso, no prazo de 10 (dez) dias, sem efeito suspensivo.
Outra questão já nasce muito discutida é a Averbação Pré-Executória, ou seja, o gravame administrativo dos bens do sujeito passivo, operada pela PGFN. Assim como no oferecimento de garantia antecipada, a averbação pré-executória não indisponibiliza juridicamente o bem para o sujeito passivo, mas torna praticamente impossível sua comercialização ou transferência enquanto gravar o processo.
Na hipótese do sujeito passivo, sendo notificado de inscrição em dívida ativa, não efetuar o pagamento a vista ou parcelado, ou não oferecer oferta antecipada de garantia em execução fiscal, ficará sujeito à anotação nos órgãos de registros de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para o conhecimento de terceiros, da existência de débito inscrito em dívida ativa.
A justificativa, segundo a Portaria, é prevenir a fraude à execução, podendo o sujeito passivo apresentar impugnação no prazo de 10 dias ou indicar outros bens seguindo a ordem da lei de execução fiscal, podendo ainda o bem ser substituído pelo Procurador, de ofício ou a pedido do devedor, enquanto não ajuizada a execução.
Outra medida regulamentada, decorrente da Lei 13.606, é o ajuizamento seletivo (ou condicionado) de execuções fiscais, condicionando-a à localização de indícios de bens, direitos ou atividade econômica do devedor ou corresponsável, porém não se aplicando para casos de multa criminal, FGTS e débitos de elevado valor, definido por ato do Ministro da Fazenda.
O ajuizamento seletivo leva à adoção do procedimento para localização de bens e direitos, que determina que a PGFN realizará procedimento administrativo com vistas à localização de indícios de bens, direitos ou atividade econômica do devedor, mediante consulta periódica às bases de dados patrimoniais e econômico-fiscais do devedor ou corresponsável.
A Portaria também inova ao estabelecer requisitos da petição inicial da execução fiscal. Além dos dados regulares, como juízo a que se destina, qualificação do devedor, requerimento para citação e dados da certidão de dívida ativa, ficou estabelecido que a petição conterá também os bens ou direitos ofertados antecipadamente ou aqueles submetidos à averbação pré-executória, com requerimento para conversão em penhora.
A petição inicial será ainda instruída com as informações relativas ao resultado dos procedimentos localização de bens e direitos, apresentadas em forma de indicadores da existência bens, direitos ou atividade econômica do devedor ou corresponsável.
Não havendo oferta antecipada de bens à penhora e identificados indícios da existência de atividade econômica do devedor ou corresponsável, a petição inicial conterá pedido de indisponibilidade de ativos financeiros, a ser realizado concomitantemente à citação.
Nas execuções submetidas ao ajuizamento seletivo, aperfeiçoada a citação válida do devedor ou corresponsável e não pago e nem garantido o débito executado, deverá o Procurador requerer penhora de ativos financeiros, bens e direitos indicados na petição inicial e bloqueio de veículos.
No caso da localização de créditos em nome do executado, o Procurador deverá requerer a penhora dos direitos creditórios cumulada com a intimação do terceiro ou depositário para que depositem em juízo os valores correspondentes aos créditos penhorados. Localizadas quotas ou ações de sociedades personificadas, o requerimento de penhora deverá observar o procedimento especial, previsto em lei específica.
O Procurador poderá também celebrar Negócio Jurídico Processual visando a recuperação dos débitos em tempo razoável ou obtenção de garantias em dinheiro, isoladamente ou em conjunto com bens idôneos a serem substituídos em prazo determinado, inclusive mediante penhora de faturamento.
A Portaria também trata de fraude à execução fiscal que, se reconhecida, o Procurador deverá encaminhar Representação para Fins Penais (RFP) ao Ministério Público para apuração dos crimes. Temos aqui mais um caso de julgamento subjetivo pela PGFN, ou seja, se o sujeito passivo tiver débitos e seguir movimentando suas posições financeiras, poderá ser acusado de fraude à execução, a critério do Procurador.
A última parte da regulamentação trata da suspensão das execuções fiscais com base no art. 40 da lei de execução fiscal. Neste aspecto, em que pese as disposições da Portaria, não se pode perder de vista o fato do tema já estar regulado pela citada lei, bem como, a Súmula 341 do STJ, que trata da prescrição intercorrente.
Como se observa, a Portaria em questão, a despeito de regular 2 (dois) artigos da Lei 10.522/02, introduzidos pela Lei 13.606/18 (por si já muito contestada), trouxe uma ampla gama de procedimentos, alguns já regulados pela Lei de Execução Fiscal e outros que se constituem em autênticas inovações, inclusive em relação à própria Lei 13.606/18, que se pretendeu regulamentar.
Referida Portaria poderá demandar inúmeras discussões judiciais, anteriores à própria discussão do mérito das dívidas fiscais, considerando os poderes a que foram revestidos os Procuradores na administração dos bens do sujeito passivo e no trato da dívida ativa tributária, ao arrepio da Constituição Federal, Código Tributário Nacional, Lei de Execução Fiscal, Código Civil e Código de Processo Civil.